Estupidificação
- "Zé"
- 30 de mar. de 2020
- 11 min de leitura
Atualizado: 31 de mar. de 2020
Desde Outubro que a vida não me permite deixar fluir grande coisa... Não que estejam sedentos de ler o que vos vou trazendo porque de certeza que há triliões de coisas na Internet que vos alimentam melhor o ócio... Mas pronto, vivemos tempos de grande masoquismo, intelectual e físico... Nada de novo.
"Que introdução simpática, para quem não escreve nada desde Outubro do ano passado..."
Certo, mas também não escrevo para agradar ou para vender, o tempo que aqui invisto é a fundo perdido mas dá-me um gozo enorme exercer as minhas liberdades criativa e racional... Até porque, não é a primeira vez que reconheço que o que aqui faço não é comercial nem mobiliza o suficiente esta geração cujo o espectro de atenção se mede ao décimo de segundo. Anyway, escrevendo muito ou pouco tento manter-me fiel ao que sou e às minhas ideias, por isso, cá vai...
Seria de esperar que, num mundo altamente hierarquizado como o nosso, exista toda uma matriz estrutural por trás que o suporta e cria processos igualmente bem definidos para que tudo funcione de forma minimamente homogénea sem prejudicar muito a nossa vida.
Acontece que, para além da Constituição, pouco nos segura... Não num sentido em que vem por aí uma forma de Apocalipse social, mas num sentido em que as sucessivas mutações/evoluções sociais culminaram num esquecimento de valores fundamentais presentes numa estrutura primária de costumes (que inclusivamente serviu de base para a nossa Constituição, e talvez seja por isso que ainda não andamos à cabeçada uns com os outros).
É evidente que podemos considerar alguns mais desactualizados e com menos aplicabilidade no nosso dia-a-dia, e relativamente a esses, talvez seja mais compreensível o seu desuso generalizado. Mas existem outros, verdadeiramente basilares que nos conduzem num caminho coerente, coeso e construtivo enquanto povo. Valores que vêm antes das Constituições desta vida... (!Cuidado com as interpretações, isto não é um ensaio nacionalista, nem de direita, nem de esquerda, nem do diabo ao quadrado!) Primeiro, porque a minha posição relativamente a lados da política não existe, porque não acredito em clubites nem em sistemas bicéfalos, pouco plurais (no verdadeiro sentido da palavra, não para inglês ver) e pouco humanos...Até porque falo apenas no contexto em que conheço - o português, mas o português num Portugal global -)
Desde, e antes de referências como "Os Tempos Modernos" de Charlie Chaplin de 1936 (portanto, há pelo menos 86 anos), se tem reflectido e debruçado sobre a nossa condição de "homens-máquina a trabalhar para máquinas que servem outros homens-máquina".
É inegável que esta condição nos tem trazido inúmeras vantagens que advêm da economia de escala e que isso também tem desmultiplicado o nosso poder ter compra.
Em todo o caso, existe toda uma outra face que tem trazido demasiada turbulência que nos provoca uma incerteza constante e nos coloca a viver em constante adaptação sem que daí resulte qualquer seleção natural a nível da qualidade do espécime, mas sim, uma seleção que tem por base o poder de compra e capacidade financeira dos indivíduos. Ora, facilmente se verifica que aqui começamos a derrapar em algo que é essencial: a dignidade e honra do outro, a "cognosciência" do outro e o respeito pelo outro. E, se quisermos ir mais longe, quase roçamos em questões como o direito à saúde e à vida… Mas isso já são guerras mais complicadas...
Nunca é demais referir, que estas novas formas de vida surgem de forma mais ou menos progressiva no tempo por necessidade de potenciação de X ou Y modelo sócio-económico, que é minuciosamente vendido, discutido, planeado e aplicado de forma cirúrgica por um reduzidíssimo grupo de pessoas, não que todos tenhamos que "mandar a nossa posta", mas como se tratam de homens-máquina, necessariamente perpetuam a escravidão e a uniformização de processos, sejam eles criativos e/ou de mera execução… No fundo, este reduzido grupo de pessoas, acaba por servir-se da escravidão alheia sem se aperceber que é igualmente escravo da ideia de liberdade que procura e que julga que compra com o dinheiro que vai angariando e distribuindo…
Verificamos então, que somos todos escravos e que vivemos assentes numa projecção do ideal de liberdade sem nunca a conseguirmos apalpar ou viver verdadeiramente.
Cuidado, liberdade não pode ser confundida com libertinagem!
Se voltarmos atrás na história, é possível encontrar-mos inúmeros episódios que nos remetem para as mais diversas interpretações de "liberdade", desde a Inquisição aos movimentos artísticos e períodos criativo-inventivos mais férteis… Quer isto dizer, que a liberdade acaba por ser algo etéreo, mas ao mesmo, procurada pelo ideal que representa na sua base, produzindo mais ou menos estragos ou avanços em função dos meios que são utilizados para a "encontrar".
Estes meios de que falo, acabam por ser caminhos que, mais uma vez, são decididos por um punhado de gente que se sente imortal e intocável mas que será para sempre escravo da mortalidade que atinge todos os restantes… Aqui, define-se uma primeira barreira, o perfil de quem decide.
Dado o número de pessoas que existem no mundo, a estratificação e hierarquização são fenómenos naturais mas que nunca deveriam ter um fundo de exclusão automática entre níveis… Quero com isto dizer, que para liderar um conjunto de gente temos que estar cientes que o papel dos líderes é guiar num caminho construtivo para a comunidade e não para os caminhos que o ego inchado e as contas bancárias desejam, para os dissidentes, existe a figura do chefe que já produz alguma forma de coacção e ordenação mas que normalmente constrói em prol das necessidade imediatas, entenda-se, a restauração da ordem. Ser "chéfão", num contexto de quem supostamente teria que guiar, é considerar à partida que os trabalhadores que se esfolam são uns reles porque não querem o mesmo, e por isso, têm que ser punidos por uma cultura de medo e serem fantoches do seu desejo , manietados, limitados, compartimentados e ostracizados quando pensarem em sentido contrário, porque "quem não está com o chéfão está sozinho". Afinal, quem está com o "chefão" até tem acesso a umas formas de entretenimento muito tribais que servem para manter o culto à sua figura e desejos em dia.
Para quê contrariar?
Aqui, abre-se um precedente altamente perigoso, uma liberdade que nos é vendida em troca da nossa auto censura e censura colectiva. Mais uma vez, andamos aqui às voltas… Óbvio que a libertinagem não pode ter lugar na forma como vemos a vida porque se exige alguma ordem, no sentido em que, é intrínseco à nossa natureza nos desviarmos de vez em quando… Agora como seres racionais, nos permitirmos a isto?
Nascer sem pedir, ser compartimentado uma vida inteira para morrer vazio? Pelo menos que a caixa se preenchesse, e mesmo assim, a caixa só serve para se ir esvaziando à medida das exigências da produção do chefão, isto porque, foi sendo preenchida com apenas aquilo que é considerado útil para o respectivo propósito… Tudo o que for mais além… Não cabe… E se couber, já não produz o desejado, passa-se a ser um mau produtor, mas mais que isso, um risco para o caminho escolhido.
Um guia, não faz nada disto, um guia, é um porto seguro, um guia promove a diversidade por ser um verdadeiro motor de progresso comum, pois sabe que para atingir o sucesso, tem que considerar que existirão inúmeros caminhos a escolher e para isso necessita dos mais diversos produtores que estarão auto-motivados para o puzzle do progresso colectivo do qual são peça integrante! Traduzindo-se, efectivamente, como a forma mais produtiva e construtiva a seguir!
Já esta condição, não se verifica na situação anterior, isto porque, os produtores são motivados pelo medo de não garantirem a sua subsistência e vivem constantemente deprimidos sem qualquer propósito a não ser seu nicho mais próximo (família). Tudo isto faz com que trabalhem sobre pressão, sujeitando o seu resultado de produção a uma margem de erro maior e mais penalizada pelos restantes como sendo uma pedra na engrenagem uma vez que "estão todos ali contrariados e não estão para aturar quem não cumpre". E ainda têm a lata de falar em lei do mais forte e seleção natural...
Mais exemplos existiriam para tornar isto mais visual e palpável, mas não é à toa que os transtornos e doenças psicológicos/psiquiátricos sobem em flecha quando os regimes dos "chéfões" se istalam… A eles não lhes toca, só se apercebem quando estão para morrer e a muitos, nem isso...Porquê? Porque julgam na sua plena arrogância e ganância, que por serem diferentes terão um destino diferente. Mas não passam de mais uns bicharocos desorientados (como todos nós) que para aí andam, mas que fazem mais mal que bem.
Acontece que não é bem claro no tempo quando é que a transição ocorre, garantidamente, o modelo do "chefão", não foi o que nos trouxe até aos dias de hoje… Mas de forma sub-reptícia foi penetrando e corrompendo as estruturas da sociedade, até porque, quanto maior o número de indivíduos, mais difícil se torna o controlo, quando o nicho que se torna decisor, se baseou sempre num conjunto muito limitado de pessoas que se protegeu da comunidade, advogando que escolhe para o bem de todos (nota-se!) dando uma falsa sensação de confiança, o que fez com que ao longo de gerações, os indivíduos se fossem desmarcando de se preocupar com os caminhos escolhidos. Abrindo com isto, um flanco que nunca mais se fechou, os trogloditas instalaram-se e fazem valer a sua influência há tempo demais.
Estes trogloditas, foram inteligentes, roubaram-nos a liberdade, cultivaram-nos "o medo para perseguir coisas que nunca teremos e colocam-nas à venda mesmo à nossa frente, criando uma rodinha digna de hamster"...Mas pior...
É em grande parte, por sermos liderados por trogloditas, que andamos doentes, que não contemplamos, que não somos auto-motivados num sentido colectivo, que somos ocos, limitados, que não temos perspectiva, que discriminamos directa e indirectamente, que somos hipócritas… por aí fora...
É preciso compreender que a ligação do divino à realidade não é meramente casual, no sentido em que o divino ajuda a definir um rumo comum de forma mais fácil, porque não o personifica e os guias são "os seus enviados para o fazer cumprir" mobilizando todos no mesmo sentido, para o bem de todos, inequivocamente definido num espectro divino mas aplicável no contexto real. O problema surge quando o divino é usado num contexto inequivocamente errado e porque os restantes já se encontram manietados desde o ponto de partida. Conflitos étnicos e religiosos, por exemplo.
É caso para dizer que estamos a ficar estúpidos, não porque queremos, mas porque temos que ser… E os que não são têm que fingir que são. Se acham que estou a ser ofensivo ou exagerado convido-vos a ler a respectiva definição retirada do dicionário Priberam (qualquer semelhança com a realidade diária é mera coincidência):
es·tú·pi·do
(latimstupidus, -a, -um, espantado, pasmado, imbecil)
adjectivo
1. Que não tem ou não desperta interesse. = ABORRECIDO, CHATO, ENFADONHO, TEDIOSO
2. [Antigo] [Medicina] Que está sem acção, em estado de estupor.
3. Que é demasiado intenso. = DESCOMEDIDO, EXAGERADO, EXCESSIVO
4. Que não tem razão de ser; que não faz sentido (ex.: que morte tão estúpida). = ABSURDO, DISPARATADO
adjectivo e substantivo masculino
5. Que ou o que tem grande dificuldade em compreender, julgar ou discernir por falta de inteligência. = ALARVE, ESTULTO, IMBECIL, NÉSCIO, PARVO, TOLO ≠ ESPERTO, INTELIGENTE
6. Que ou o que é muito desagradável, incivilizado ou grosseiro (ex.: piada estúpida; o colega é um estúpido que só sabe falar mal dos outros). = PARVO
"estúpido", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/estúpido [consultado em 28-03-2020].
Que me perdoem os mais sensíveis mas se há coisa de que não tenho culpa é do verdadeiro significado das palavras (que tantas vezes é esquecido), assim como o seu peso... E o que eu digo, facilmente é verificável na degradação e baixo nível comunicacional que existe nos dias que correm… Aliás, quem tem mais de 4 vocábulos no cérebro é um Senhor Doutor por extenso e como tem boca vai Roma porque é essa a sua intenção... Ah essa praga satânica de ter vocabulário, enfim...
Tudo o que sai fora da caixa em termos de ideia, é mais considerado pelo resultado que produz do que como ideia propriamente dita. Isto deve-se, sobretudo, à falta de capacidade de contextualização, mas depois vêm os documentários (típicos) a título póstumo a glorificar a dita cuja...
E nem quero falar de comportamentos de rebanho, levados a cabo de forma oportunista e pouco sentida…
Pensemos um pouco nesta conjuntura que nos afecta...
A tragédia, fez nascer profetas no fim dos telejornais, aqueles mesmo profetas dos mesmos telejornais que nos enfiam opacidade no pensamento com informação enviesada.
A tragédia, trouxe à tona os cientistas que até anteontem nem eram gente e foram tantas vezes convidados a sair do país por falta de condições.
A tragédia, fez com que fosse manifestada solidariedade de forma estratégico-promocional e sem grande fundo de sentimento/empatia, quase um politicamente correcto, mas pior… Não me lembro de em nenhuma guerra se ter batido palmas antes da vitória. Quem está na linha da frente, precisa de serenidade para discernir com clareza em situações de stress, não reviver sistematicamente a situação em que está, sob pena de sofrer um desgaste prematuro e com isso multiplicar a sensação de cansaço e margem de erro.
A tragédia, colocou pessoas que não se conhecem a se insultarem umas às outras sem uma única vez terem sido pedagógicas e educadas para direcionarem a pessoa sujeita ao insulto à prática mais adequada à comunidade. Só revela que a real preocupação com o comportamento dos outros se prende com os efeitos que pode despoletar no seu umbigo e não com o umbigo de todos, porque se assim fosse, faria tudo o que estivesse ao seu alcance de forma proactiva para o bem comum em vez de disparar vídeos caseiros para as redes sociais a dizer: "tá mal"...
Jura!?... Nem me tinha apercebido...E o que fizeste para mudar isso? Vídeos!?
Façam o que têm a fazer, sem serem histéricos nem falsos porreiros, isto é uma maratona! Precisamos do esforço constante de todos!
E se não houver vacina tempo e horas, que não exista… Só revela como efectivamente somos arrogantes relativamente à nossa existência. Porque queremos, podemos e mandamos, "é para ontem"… E se fosse um asteróide? Ou um verdadeiro cataclismo que fosse capaz de aniquilar a vida na Terra?
Meus caros/as lamento informar, mas aqui não mandamos nada!
Tempos difíceis, estranhos e incertos...
Sejam humanos outra vez. Larguem esse SER/ESTAR que vos enfiaram na cabeça e que carregam todos os dias, é tão simples...
Quantas e quantas causas colectivas já nos moveram? Quantas e quantas já esquecemos depois de nos "fazerem cócegas"? É preciso sempre algo tão maior para nos abanar minimamente? Mas que raio de bicho somos nós?
Acredito piamente que é por termos largado a nossa dimensão humana, que muito do fanatismo, caos, histeria e volatilidade se instalam relativamente às mais diversas questões e o que mais me assusta diariamente é como essas consequências são exploradas para se obter lucro (do mau) de qualquer forma...
Paternalista, teimoso, o que quiserem, a coerência é o que me move… Sei que muitas, se não todas as vezes, foco o que está mal (dentro do que consigo ver e sentir), mas na minha forma de estar e ser, o que está bem, não precisa de ser optimizado de forma obsessiva, nesta corrida, o tempo está do nosso lado... O mal, é que tem que ser combatido com todas as munições disponíveis! E já vamos com algum atraso...Mas sempre a tempo!
Tudo é, e sempre será, uma questão de equilíbrio e harmonia… Não este equilíbrio desequilibrado em que nos encontramos nem esta pseudo harmonia que não passa de uma normalização exagerada e conduz ao caminho único...
Apesar de nascermos sem pedir, todos somos incrivelmente capazes para fazer coisas maravilhosas! TODOS temos capacidade para sermos melhores!
Podem tirar-nos os sonhos… Pois então que se sonhe, que se sonhe com muita vontade! Com tanta vontade, que lhes faça desistir!
Podem tirar-nos a poesia da Vida... Pois então que se escreva, que se escreva até que as palavras ganhem vida!
A morte não é uma revelação, é uma certeza, a vida sempre foi um empréstimo porreiro, para fazermos coisas porreiras e darmos a nossa vez...Nossa vez, para que outros "seres e estares" Humanos continuem a fazer coisas incríveis! Com estima, mas a devida distância higiénica e respectiva etiqueta respiratória,
Um ser humano que se sente biológica, intelectual e espiritualmente mal representado, nos dias que correm, por indivíduos da mesma espécie que daqui a uma meia dúzia de anos já se esqueceram que mesmo sem vírus/calamidades/cataclismos têm que exercer a sua dimensão humana. (Pelo menos, até próximo susto..) Façam coisas porreiras, tipo serem (H)umanos, sempre.
O último, que apague a luz.
Obrigado.

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